30/08/2011

Meu encontro com Dona Maria




Era pra ser só mais uma noite de segunda. Desanimado com o calor desses dias, somado à descrença que tem me rodeado com alguma frequência, vinha brigando com meus botões. Cobrava de mim o empenho, a disposição e outras coisas que venho deixando pra trás...



Ao saltar do ônibus, fui abordado por uma moça perguntando sobre como fazer com que uma senhora bem idosa tomasse a condução correta para chegar ao seu destino, já havia se perdido no caminho uma vez. Comecei a cogitar a melhor opção e, quando percebi estava sozinho com aquela senhora. Ela tinha olhos aflitos.



Pensei e repensei e não consegui nenhuma solução que uma senhora de tão idosa poderia chegar sozinha. Descobri bem mais tarde que ela tem 75 anos. Então estava decidido: eu ia ter de leva-la ao ponto mais próximo. Ela titubeou, fez perguntas com cara de desconfiança e aceitou por não ter opção.



Pelo caminho, ela quis saber de mim. Com a eloquência de quem havia recebido muita informação na juventude, perguntou se sou professor, eu respondi que não. Mas ela insistiu dizendo que tenho cara de professor, que consegue ver um professor em mim. Expliquei que fiz licenciatura, pensei em dar aulas, mas acabei indo por outros caminhos.



Inconformada com minha desistência, tentando ser convincente, ela (assumindo o lugar do meu subconsciente), fez perguntas, argumentou, disse que eu devia lutar mais, que seria um excelente professor. “você teria muito a oferecer”, dizia ela sem ligar muito para as minhas réplicas. E durante todo o percurso falava quase sozinha tentando não se perder. Tentava se manter concentrada no raciocínio, sem muito sucesso.



A certa altura, me veio com uma pergunta, que eu logo respondi: “sim, aqui é o Araújo Jorge, o Hospital do Câncer.” Com semblante pesado, dona Maria me olhou nos olhos e disse que perdera o marido naquele hospital há 9 anos e alguns meses. Fiquei sem palavras. Ela se fez forte de novo, seguimos em frente.



Com dificuldade de organizar as informações, me contou que é natural de Carolina, Maranhão. Saíra de casa jovem para um convento. Queria servir a Deus. Ao encontrar tanta gente mandona, egoísta, “querendo ser Deus”, descobriu que a vida não correspondia mais às seus anseios. Eu ri baixinho. Uma coincidência e tanto!



Chegando ao nosso destino, apontei onde ela devia esperar, expliquei sobre o ônibus que devia tomar. Ela fez menção que entendera. Antes de sair, lembrei de oferecer um “sit pass”. Ela agradeceu, disse que aos 75 anos não precisa mais dessas coisas....



Fiz um gesto pra me despedir, quando dona Maria me tomou pelo braço, pedindo para esperar mais um pouco, precisava desabafar com alguém. Eram tantos os problemas, inclusive a queda que havia tomado. Fiquei ali escutando ainda mais. Ela tinha tanta reclamação a fazer: do governo, da síndica do prédio, dos filhos, noras, da justiça, etc. Eu não conseguia entender praticamente nada. As informações não se conectavam. Me esforcei pra ficar calado ali, só escutando. 



Depois de um tempo ela já parecia mais aliviada. Aproveitei para explicar mais uma vez sobre o ônibus, me ofereci pra embarca-la, ela se negou. Segurou a minha mão, agradeceu. Numa tentativa de me dar sua benção, desejou que alguém muito especial pudesse me fazer um bem maior ainda do que eu lhe havia feito. Amém, dona Maria!

Imagem emprestada daqui